leve a sério o que ela diz é um livro sobre encontros e desencontros
ser a cavala que abre o caminho e segue o fluxo da mirada adentro
as palavras me emocionam, as imagens me comovem
as palavras me emocionam, as imagens me comovem
"Take her seriously" is a book about ups and downs
To be the horse that paves the way and follows the herd flux
Words touch me, images move me
Words touch me, images move me
Ainda era manhã quando cheguei na frente da casa de Alba e encontrei seu irmão, que me perguntou se eu buscava por ela. Nem terminei de dizer que sim, ele me cumprimentou e disse "Soy Jesus, pasate". Entramos em um corredor branco, onde no final encontramos Alba tirando uma folha de samambaia. Ela me abraça e diz "Esperate, llegaste sin que yo pueda terminar de arrumar la mesa". Tira uma folha de samambaia e outra rosinha das plantas e corre colocar em cima da mesa, no meio das xícaras verde e amarela que tinha separado para nós duas. Me apresenta sua casa como um "mini manicômio", como ela mesma se refere. "Todos aquí ya pasamos por experiências con nuestra salud mental". Ela também me conta que foi obrigada a ser grande desde chica. Juntas, nós choramos de rir e choramos das injustiças do mundo. Antes de ir embora, ela me abraça e diz que és lo que importa: los afectos que se constroem.
"Hoy mostró mi locura, libero mi alegria / se va confundiendo aguas / quero mi loucura, com ella soy feliz / gracias loucura, gracias mar, gracias", trechos de um poema de Alba.
"Hoy mostró mi locura, libero mi alegria / se va confundiendo aguas / quero mi loucura, com ella soy feliz / gracias loucura, gracias mar, gracias", trechos de um poema de Alba.
It was still morning when I got in front of Alba's house and found her brother, who asked me if I was looking for her. I did not even finish saying yes, he greeted me and said "I am Jesus, come". We entered a white corridor where we found Alba taking a fern leaf. She hugs me and says "Wait, you got here before I could set the table". She takes a fern leaf and other little rose out of the plants and she runs to place it on the table, between the green and yellow cups she got for both of us. She presents to me her house as a "mini mental hospital", as she likes to call it. "All of us here have gone through experiences when it comes to our mental health". She also told me she was forced to be a grown up since she was a girl. Together, we cried out of laughter and out of the unfairness in this world. Before leaving, she hugs me and says what matters is: the affection we build.
"Today I showed my madness, I free my happiness / confusing waters / I want my madness, I am happy with it / thank you madness, thank you sea, thank you", excerpts from one of Alba's poems.
"Today I showed my madness, I free my happiness / confusing waters / I want my madness, I am happy with it / thank you madness, thank you sea, thank you", excerpts from one of Alba's poems.
Não sei porque, mas o ambiente verde, ou a sensação de olhar pra natureza me parece muito próximo ao pensar sobre a loucura. Esse lugar era o antigo bosque de um antigo hospital psiquiátrico em Curitiba. Antes, nessas mesas, as pessoas compartilhavam tardes de sol, alimento, conversas e jogos. Essas mesas hoje tomadas pela natureza me fazem pensar em muitas coisas. E essa foto me dá uma sensação de sufocamento. Talvez sobre o pensar essa falsa impressão de um lugar bonito, arejado e verde, que na verdade, fica só na aparência superficial. Porque quando é deixado de cuidar e olhar para esse espaço, ele pode se tornar sufocante. Mas, o que vem depois do sufocamento?
I do not know why, but the green environment, or the sensation of looking at nature seems to me so close to what is thinking about madness. This place was the old wood of an old psychiatric hospital in Curitiba. Before, by these tables, people used to share their afternoons of sun, food, smalltalk and games. These tables taken by nature make me think about many things. And this picture gives me a feeling of suffocation. Maybe because it gives a false impression of a beautiful place, airy and green, which actually is only superficial. Because when it is not taken care of and you look at it, it becomes suffocating. But what comes after suffocation?
Me encontrei com Xênia em sua casa, uma amiga havia me passado seu contato recentemente. A primeira vez que fui lá, foi apenas pra conversar. Ela me convidou pra tomar um chá enquanto conversávamos. Lembro de ter me sentido muito à vontade ali dentro, mesmo ainda um pouco tímida. Logo em seguida, sentamos em frente a sua mesa da sala, ligamos o gravador e conversamos por quase duas horas. Isso foi em 2018. Confesso que hoje já não lembro de muitas das coisas que conversamos com detalhes, mas lembro de todas as vezes que me emocionei. E uma delas foi quando Xênia me contou sobre a primeira visita de seu filho enquanto ela estava em um hospital psiquiátrico. Meio emburrado, sem olhar para as mães nos olhos, Lore entrou e foi para o canto do pátio do hospital. Ele tava bravo com a mãe. Não sabia como reagir a aquele momento. Xênia foi ao seu encontro, perguntou como ele tava se sentindo, disse que estava com saudades. Lore respondeu dizendo: "O seu lugar não é aqui, o seu lugar é em casa, mamãe". Xênia saiu da clínica dias após essa primeira visita.
"O seu lugar não é aqui, o seu lugar é em casa, mamãe", foi o que Lorenzo disse quando visitou sua mãe em uma clínica psiquiátrica. Lembrei das vezes que visitei minha mãe no mesmo lugar e não entendia porque ela tinha que ficar ali. O que ela fez? Como ela se sente? Porque não posso ficar junto com ela?
I met with Xênia in her house, a friend had recently given me her contact. The first time I went there it was just to talk. She invited me in for tea while we talked. I remember feeling very comfortable there, even though I was a bit shy. Soon after, we sat by her coffee table, I turned on the recorder and we talked for almost two hours. This was back in 2018. I must confess that nowadays I do not really remember a lot of the things we talked about in detail, but I remember all the times I got emotional. One of them was when Xênia told me about her son's first visit to the psychiatric hospital. He was kind of grumpy, not looking his mothers in the eyes, Lore entered and went to a corner of the square of the hospital. He was still mad at his mom. He did not know how to react at that moment. Xênia went towards him, asked how he was feeling and told him she missed him. Lore answered saying: "Your place is not here, your place is home, mom". Xênia left the clinic days after this first visit.
"Your place is not here, your place is home, mom", was what Lorenzo said when he visited his mom in a psychiatric hospital. I remembered the times I visited my mom in the same place and I could not understand why she had to stay there. What did she do? How is she feeling? Why cannot I stay with her?
Como os ciclos familiares se repetem? Roseli é mãe da Xênia. Lembrei de minha mãe e de minhas sensações quando conversamos sobre esses padrões que se repetem. Existe alguma forma de quebrá-los?
How do family cycles repeat? Roseli is Xênia's mother. I remembered my mother and my feelings when we talked about these patterns that repeat. Is there a way to break them?
Vino me contou que se sentiu estranho ao se ver na parede da exposição ao lado de outras pessoas neurodiversas. Ele se pergunta se isso tem a ver com a dificuldade de aceitar suas necessidades de cuidado ou de um dia ter passado por um hospital psiquiátrico. Para fazermos essa foto, voltamos até o terreno desse mesmo hospital e seu corpo não parecia estar confortável ali, ao mesmo tempo que parecia flutuar.
Vino told me he was feeling weird seeing himself on the wall alongside with the other neurodivergent people. He asks himself if it has to do with the difficulty he has accepting his needs of treatment or that one day he went through a psychiatric hospital. For us to take this photo we went back to the lot of the same hospital and his body did not seem to be comfortable there, at the same time it seemed to float.
A Lua foi uma das mais difíceis para fotografar. Sendo a minha primeira experiência dentro de uma gira de umbanda, com a autorização do pai de santo, mas sem saber o que aconteceria. Foi um dia muito especial para Lua, e eu ainda me cobrava que precisava fazer uma foto considerada boa para esse trabalho - aqui poderíamos entrar numa reflexão sobre o que seria uma foto boa, penso que dentre tantas divagações e teorias estéticas, para esse projeto, uma foto boa é aquela que a pessoa que está nela se sente respeitada e para ela gosta de olhar. Minhas mãos ficaram geladas a gira inteira. Às vezes aumentava outras diminuía, a energia ali dentro era muito forte, eu podia sentir cada fio do meu corpo. As vezes preferia ficar no canto, mas precisava estar dentro. Editei as imagens achando que não tinha dado certo. Mas pensei muito sobre o dar certo. Pra quem? Lua amou todas as imagens. O terreiro pegou fogo por conta de um incêndio criminoso, fruto da intolerância religiosa. Não tínhamos como refazer as imagens. Já não existia mais o mesmo ambiente.
No meio do processo de edição do livro percebi que esteticamente as imagens da Lua divergiam das outras imagens do livro. Assim, perguntei a ela se ela se sentiria confortável de ser fotografada novamente e caso sim, onde seria esse espaço. Lua me contou que, como filha de Iansã, queria ser retratada num bambuzal com sua filha Ana. O bambuzal chegou até nós.
Lua was one of the hardest to photograph. Being my first experience inside an umbanda square, with the father of saint (Pai-de-Santo) permission, but not knowing what would happen. It was a very special day for Lua and on top of that I was being hard on myself because I had to take a photo that was considered good for this job - here we could think about what is a good a photo, I think that among several ramblings and aesthetics theories, for this project, a good photo is the one in which the person that was photographed feels respected and likes to look at it. My hands were freezing cold during the whole square. Sometimes it got worse, sometimes it got better, the energy there was so strong, I could feel each hair of my body. Sometimes I would rather stay in the corner, but I had to stay inside. I edited the images thinking that it had not worked out. But I thought about working out*. For whom? Lua loved all the photos. The square caught on fire due to an arson caused by religious intolerance. There was no way to take the photos again. There was no longer the same environment.
In the middle of the process of editing the book I noticed that aesthetically speaking, Lua's photos were different from the other images in the book. Therefore, I asked her if she would feel comfortable being photographed again and if so, then where would it be? Lua told me that, as Iansã's daughter, she wanted to be photographed in a bamboo grove with her daughter Ana. The bamboo grove got to us.
Eu e Taís nos encontramos duas vezes para fazermos as imagens. Na primeira, em sua casa, somente nós duas. Na segunda, Taís e Ju, sua filha. Taís é diagnosticada com Transtorno Bipolar há muitos anos e não passou por um hospital psiquiátrico. Ela faz acompanhamento médico desde então. Nossas conversas foram muito bonitas, sobre como o passar dos anos lidando com as próprias contradições e dúvidas a ensina cada vez mais a se manter em pé. Quando a Ju leu a carta que a mãe escreveu para esse projeto, ela logo me contou sobre ter encontrado outros significados na relação das duas, sobre coisas que ela nunca havia entendido sobre a mãe, desde que era criança, e que agora estavam de alguma forma todas ali. Não tivemos dúvidas de que para esse livro, a foto seria de mãe e filha.
Taís and I met twice to take the photos. In the first image, in her house, only both of us. In the second one, Taís and Ju, her daughter. Taís was diagnosed with bipolar disorder many years ago and she has never been to a psychiatric hospital. She has received medical support since then. Our talks were always so beautiful, about how dealing with our own contradictions and doubts throughout the years teaches us more each time how to stand firm. When Ju read the letter her mother wrote for this project, she immediately told me about finding other meanings in their relationship, about things she had never understood about her mother since she was a child, but that now somehow were all there. We did not have any doubts that for this book, it would be a mother and daughter photo.
A palavra que me vem quando eu penso no Lucas é coragem. Fomos até uma passarela para pedestres, no bairro em que Lucas cresceu. Ali, ele passava todos os dias para chegar até a escola. Ali, de cima dessa passarela, ele, com 10 anos, pensava em se suicidar. E foi esse lugar que Lucas escolheu ser fotografado para esse livro. Hoje, essa ponte não existe mais.
The word that comes to my mind when I think about Lucas is nerve. We went to a walkway for pedestrians in the neighborhood where he grew up. There, he used to pass everyday to get to school. There, up on this walkway, when he was ten he used to think about comitting suicide. And this was the place that Lucas chose to be photographed in for this book. Today, this walkway does not exist anymore.
Tem lugares que nos marcam por ser onde sempre voltamos quando não nos aguentamos mais em pé. Esses lugares não precisam ser físicos, também podem ser bem fundo dentro da mente. Stilo decidiu ser fotografado próximo de uma rua onde quando está muito mal, costuma estar. Por lá, encontramos flores que nos chamaram a atenção. Meses depois dessa foto, durante a edição do livro, decidi fotografar David novamente no início da primavera, quando as árvores cerejeiras das ruas curitibanas se enchem de flores por todos os lados. A primavera chegava e David também renascia, com a decisão de cuidar de si novamente.
There are places that mark us because they are places that we always go back to when we cannot stand firm. These places are not physical places, they can also be in the back of our mind. Stilo decided to be photographed next to a street where he is used to going when he is feeling really bad. There we found flowers that drew our attention. Months later, after the photo, during the book editing I decided to photograph David again in the beginning of spring, when the cherry trees on the streets of Curitiba are filled with flowers everywhere. As the spring arrived, David was also reborn with the idea of taking care of himself again.
Victor foi uma das primeiras pessoas a ser fotografada. Na época, ele estava finalizando seu livro de poesia chamado "Quando vagalumes morrem no escuro". Passamos uma tarde juntos na primeira vez que conversamos. Eu já estava indo embora quando vimos essas sombras no muro do portão de sua casa. Foram as últimas imagens daquele dia.
Victor was one of the first people to be photographed. At the time, he was finishing his poetry book named "When fireflies die in the dark". We spent the afternoon together the first time we talked. I was already leaving when we saw these shadows on the gate of his house. Those were the last photos of that day.
fotografei Lúcia em 2019, e decidimos refazer as fotos novamente em 2021, devido aos caminhos que o livro vem tomando e os tipos de imagens que desejamos. Na segunda vez, Lúcia comentou como me achava exigente. nunca me achei exigente, talvez sempre achasse que me satisfazia com o que viesse. venho aprendendo a reconhecer meu jeito de ser no mundo. é sobre se levar a sério, não é? pois nos levamos.
I photographed Lúcia in 2019 and we decided to take the photos again in 2021 due to the direction the book has taken and the kind of images we wanted. The second time, Lucia made a remark about finding me demanding. I never thought of myself as a demanding person, I had always thought of myself as a person that would settle for anything that was given to me. I have been learning how to acknowledge my way of being in this world. It is about taking yourself seriously, isn't it? Because we do.
"Um homem no canto lateral direito de uma imagem, com um braço arredondado para cima da cabeça, parecido com o movimento de uma dança; uma boca com um quase sorriso que transmite a sensação de entrega. Ele parece flutuar." Essa era a foto que eu tinha gostado para o Luiz. Quando mostrei essa foto para ele e sua companheira, eles me falaram sobre como essa foto relembrava a sensação de quando ele não estava bem, dos anos que passou na cama, sem conseguir se movimentar fisicamente.Trocamos a foto por essa, a que Luiz abre seu próprio caminho. Recentemente, em trocas de email com Luiz para contar do lançamento do livro, ele me disse "Nós levamos a sério o que dizemos".
A man in the right corner of an image, with his arm bent over his head similar to a dance move; his mouth with an almost smile on it that conveys the feeling of surrender. He seems to float. This is the photo I liked for Luiz. When I showed it to him and his partner they told me it reminded them of the feeling he had when he was not well, of the years he spent in bed, without being able to physically move properly. We changed the photo for this one, the one in which Luiz paves his own way*. Recently, during the email exchange I had with Luiz to tell him about the book release, he told me "We take what we say seriously".
tentei fotografar o vento. mas ele passava rápido demais toda vez que eu apontava a minha câmera. olhando pra perto, vi a loucura. como fotografar a loucura? o vento me ensinou que a gente não precisa ver pra crer; e que as imagens são pequenos fragmentos daquilo que insistimos em provar.
I wanted to photograph the wind but it went by too fast every time I pointed my camera. Looking closer I saw the madness. How to photograph madness? The wind taught me that we do not have to see it to believe it; and that images are little fragments of what we insist on proving.